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A moda agora é investir no slow fashion

O setor têxtil e de confecção do Brasil ocupa 4º lugar no ranking mundial. Ceará é considerado um dos maiores produtores.

Houve um tempo em que a moda era pouco acessível e exclusivamente ditada pela alta sociedade europeia por meio de estilistas e ateliês renomados. Com a multinacionalização, vieram as lojas de departamentos e, depois, os shopping centers, destinados a atender uma classe média cada vez mais desejosa de consumo. 


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No fim do século passado, a redescoberta da Ásia como fornecedora de matéria-prima acessível e questionável mão de obra barata fez brotar uma concepção ainda mais revolucionária da indústria, o fast fashion (ou “moda rápida”).

Esse modelo de negócio consiste na rápida produção de roupas e em uma renovação constante das coleções nas prateleiras, apostando na produção em massa e no consumo acelerado de novidades.

A professora Cláudia Buhamra, do Departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará (FEAAC/UFC), explica que “o fast fashion comanda a indústria da moda por meio de um modelo de respostas rápidas às tendências, estimulando a criação de novos desejos por produtos que rapidamente se tornam obsoletos“.

O setor da moda foi impulsionado pela onda de compras on-line durante a pandemia do Corona vírus, com vendas que chegaram a R$ 38,8 bilhões entre janeiro e junho de 2020, R$ 90,8 milhões de compras apenas no primeiro semestre, de acordo com a pesquisa elaborada pela Ebit/Nielsen. O crescimento foi de 47% em relação ao mesmo período de 2019.

Segundo levantamentos recentes, como o do Instituto IEMI – Inteligência de Mercado, apontam que em 2023, haverá recuperação total das perdas registradas nos últimos três anos, em consequência da pandemia. Espera-se a comercialização de 6,55 bilhões de peças, 3,8% a mais do que em 2019, quando o setor estava no auge da produção.

Acompanhando a demanda, o fast fashion se popularizou nas redes sociais, cresceu e trouxe benefícios ao mercado, como maior rentabilidade, geração de empregos e produtos a custo acessível, reinventando o crescente varejo on-line. No entanto, esse modelo de produção traz consigo muitas anomalias.

Para a professora Cláudia Buhamra, é necessário olhar para o sistema com responsabilidade, ciente dos impactos que pode causar no meio ambiente e nos hábitos de consumo.

“Esta indústria também vem protagonizando escândalos por conta de danos ambientais causados ao longo de sua cadeia de suprimentos e por denúncias de exploração de trabalhadores“.

Cláudia Buhamra , professora da UFC

Fast fashion causa prejuízos ao meio ambiente

Após a rápida expansão do modelo, a indústria da moda se tornou a segunda mais poluente do mundo. Por ano, o sistema utiliza 98 milhões de toneladas de recursos naturais. Apesar de reduzir custos com perdas e riscos de estoque paralisado e ainda permitir maior proximidade com o cliente, o fast fashion também apresenta desvantagens que não podem ser ignoradas. Alguns pontos negativos são:

1) Produção reduzida

O foco do fast fashion é a variedade e não, necessariamente, a quantidade. Em razão disso, nem sempre é possível atender a toda a demanda do mercado, já que são disponibilizadas quantidades reduzidas de cada peça.

2) Condições laborais precárias

A maioria da roupa usada pelos consumidores é fabricada em países onde os direitos dos trabalhadores são limitados ou inexistentes. A falta de segurança, baixos salários, trabalho infantil e desigualdade de gênero são algumas das condições precárias encontradas nesses países.

Alguns dos focos de trabalho escravo estão na China, Bangladesh e Camboja, mas também em países da América. O debate sobre a origem das roupas produzidas em lojas de e-commerce, que não dão detalhes sobre os locais e condições de manufatura, foi levantado nas redes sociais em tom crítico.

moda fast fashion

3) Resíduos e ausência de consciência ambiental

Para que o preço do vestuário seja menor, a matéria-prima também deve ter o custo reduzido e, dessa forma, as fibras naturais perdem espaço para as fibras químicas. Entram nessa lista o petróleo, fertilizantes e produtos químicos para produzir, tingir e fazer o acabamento dos têxteis.

Um artigo publicado em 2018 na revista científica Environmental Health alertou sobre os impactos ambientais do processo de produção de peças de roupas. A etapa da obtenção dos suprimentos têxteis que conta com o cultivo do algodão usa em torno de 93 bilhões de metros cúbicos de água anualmente, enquanto tecidos sintéticos, como o poliéster, são derivados do petróleo.

“O problema é que ocorre a dispersão de um grande volume dessas micro e nanopartículas nos processos de tingimento, estamparia e, principalmente, na lavagem doméstica pelos consumidores”, como explica a professora Cláudia Buhamra.

Dados da União Internacional para a Conservação da Natureza confirmam a existência de micros e nanopartículas de plásticos que chegam aos oceanos e mares, cerca de 35% dessas partículas vêm de roupas com tecidos sintéticos que se soltam na água durante o processo de lavagem das roupas, o que ocasiona o consumo de grandes quantidades desses plásticos pelos animais marinhos e consumida pelos humanos.

“Não se trata apenas de entender que a moda causa impactos negativos diversos no meio ambiente (o que, por si só, já é uma justificativa mais que suficiente para preocupar-se), mas também de compreender que é necessário reeducar-se, para modificar os costumes que ainda nos fazem entrar num ciclo insaciável”.

Chiara Gadaleta, consultora de moda sustentável

Consumo consciente e slow fashion

Um conceito muito defendido pelas empresas que praticam um modelo de negócio baseado na produção de vestuário em massa é a sustentabilidade. Trata-se de algo necessário e urgente para a conservação do planeta.

Questionar-se pode ser o primeiro passo para tentar encontrar formas de modificar o consumo na moda, garante a consultora de moda sustentável Chiara Gadaleta. “No dia a dia, a gente pode contribuir para a moda sustentável sendo um consumidor curioso. É pesquisar, se perguntar antes de consumir, ser um consumidor consciente. Como aquela marca está olhando a sua comunidade e a sua cadeia de valor”, enfatiza.

Um exemplo criativo de enfrentamento das questões envolvendo a indústria têxtil é a marca cearense Santana Textiles que ampliou sua atuação nos negócios da moda lançando-se também como fornecedora de fios e tendo como foco a sustentabilidade com a linha Sustentare.

“Somos verticalizados, produzimos do fio ao tecido acabado. Nossa fortaleza sempre foi oferecer um produto justo e com qualidade”.

Raimundo Delfino, presidente da Santana Textiles

Composta por um amplo portfólio que se divide em mais de 67 tecidos diferentes, redução de até 85% de corante índigo no tingimento, economia em 50% de água durante o processo produtivo e diminuição de 66% na geração de carga orgânica no efluente.

“A linha em prol do meio ambiente é composta por nove artigos com composição, construção e gramatura diferentes, atendendo assim às diversas necessidades e demandas dos seus clientes, aliado ao compromisso em garantir a preservação do planeta com o alto padrão de qualidade nos tecidos”, explica Airam Pagliosa, Coordenadora de Produto e Marketing da Santana Textiles.

Outra resposta natural foi o movimento slow fashion (ou “moda devagar”), que preza pela utilização de materiais recicláveis e tecidos orgânicos em sua confecção, além de buscar transparência em suas relações de trabalho. Dessa forma, a moda se tornaria algo cíclico, e não finito, como é praticado nos dias atuais.

“O hábito do consumo desenfreado ocasionado pelas marcas fast fashion, com a ideia de que ‘quanto mais se tem, mais se precisa’, tem esbarrado, crescentemente, nas mobilizações de pessoas e projetos que acreditam em uma moda feita para durar, que tenha origem, história, produção e destinação expostas para o consumidor”, afirma Chiara Gadaleta.

No Ceará, novas marcas focadas nesse conceito vêm sendo criadas, e um estudo desenvolvido na Universidade Federal do Ceará (UFC) acaba de delinear o perfil dos consumidores desses produtos no Estado.

Para Cláudia Buhamra, a pandemia contribuiu para o avanço desse tipo de relação de consumo com a moda. “Constata-se uma crescente consciência individual ligada às premissas do slow fashion: qualidade além de quantidade, e consumo menor e melhor, tendência reforçada pela pandemia da covid-19, que legitimou a percepção do ‘menos é mais’”, analisa a professora.

Ela é uma das autoras do artigo “Slow Profile: Estudo das Orientações ao Consumo de Slow Fashion”, publicado na Revista Eletrônica de Negócios Internacionais Internext. O estudo identificou os perfis de consumidores de moda lenta no Ceará.

“O estudo desenvolvido na UFC contribui ao identificar os perfis de consumidores que mais valorizam o slow fashion, informações que podem ser utilizadas pelo mercado local para melhor direcionar a produção de suas peças e as suas campanhas de marketing”, finaliza.

Em 2021, a indústria da moda renovou o compromisso com ações para combater a mudança climática. O anúncio foi feito na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, COP26, que visa ações para conter o aquecimento global.

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