Para especialista, a vantagem competitiva do Brasil é única porque consegue gerar crédito de carbono com custo marginal baixo. (Foto: Envato Elements)
O Brasil pode liderar o mercado de carbono no mundo com previsão de movimentar algo em torno de US$ 50 bilhões até 2030, conforme estimativas da consultoria McKinsey. Trata-se de um precioso instrumento econômico capaz de trazer grandes oportunidades para o país se tornar uma potência, atrair investimentos e liderar a transformação ecológica.
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Dada a relevância da agenda ESG, tem aumentado a demanda por créditos. Há 10 anos, este mercado era de US$ 200 milhões e chegou à marca de US$ 1 bilhão, em 2021. Outro dado animador é o fato de o Brasil concentrar 15% do potencial global decaptura de carbono por meios naturais, com fôlego para atender quase metade da demanda global (48,7%), de acordo com estudo realizado pela consultoria.
Para isto, é preciso atrair investimentos e garantir protagonismo na pauta ambiental. A trava para este crescimento é a falta de regulação, o que mantém o país no chamado mercado voluntário de créditos de carbono, fruto do compromisso individual de empresas que seguem o caminho da neutralização de suas emissões através da descarbonização.
Para Pedro Plastino, especialista em negócios climáticos e participante do Program for Leadership Development (PLD) da Harvard Business School, o governo brasileiro tem adotado uma postura que limita a participação de empresas privadas e governos estaduais no mercado regulado de carbono, colocando o país em desvantagem em relação a nações vizinhas como Guiana, Paraguai e Peru, que já avançam em acordos bilaterais e na implementação de mecanismos de Ajuste Correspondente (CA). Isto porque os estados não têm autonomia para conduzir programas jurisdicionais, determinando que apenas a União lidere a agenda climática nacional.
“A ausência de um mecanismo de CA impede que o Brasil acesse bilhões de dólares em financiamento climático internacional, o que afeta não apenas a conservação florestal, mas também trava investimentos essenciais natransição energética, em projetos de biogás, carbono no solo, reflorestamento e outras soluções de mitigação climática”, comenta o especialista. Para ele, ao adotar uma postura restritiva e desconectada das dinâmicas internacionais, o Brasil perde recursos financeiros, tempo e credibilidade em um cenário global cada vez mais competitivo.
Mercado de carbono regulatório em construção
O professor do MBA em ESG e Sustentabilidade da FGV, Jaques Paes, entende que o mercado brasileiro de carbono vive hoje uma dicotomia: um lado voluntário dinâmico e crescente, outro lado regulatório ainda em construção. “A ausência de ummarco legalrobusto para o mercado reguladogera insegurança jurídica e desorganização, mas, ao mesmo tempo, abre espaço para soluções voluntárias, principalmente oriundas de projetos florestais, energias renováveis e agricultura regenerativa”, afirma ele, certo de que a agenda climática global pressiona o Brasil a sair da inércia regulatória, principalmente por sua relevância ambiental estratégica.
Jaques Paes, professor do MBA em ESG e Sustentabilidade da FGV. (Foto: Acervo pessoal)
Também para o professor Jaques Paes o processo em curso de regulação do mercado de carbono avança a passos lentos. O Decreto 11.075/2022 estabeleceu diretrizes, mas carece de regulamentações complementares para de fato operacionalizar o mercado regulado.
O governo federal tem adotado uma postura mais ativa em 2024, com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) liderando a elaboração dos planos setoriais e regras de MRV (monitoramento, relato e verificação), mas a ausência de coordenação com o Ministério da Fazenda e outros atores ainda trava a implementação efetiva.
Entre as dificuldades brasileiras para integrar de fato o mercado voluntário internacional, o professor cita a falta de governança, a fragilidade na rastreabilidade de alguns projetos e disputas sobre titularidade de carbono – especialmente em áreas indígenas ou de conservação. Também pesa a carência de um sistema nacional de MRV alinhado aos padrões internacionais, como Verra e Gold Standard. Embora a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) tenha avançado no Senado com emendas (PL nº 412/2022), é preciso passar pela Câmara, com possibilidade de aprovação ainda em 2025. “Se bem desenhado, pode colocar o Brasil entre os líderes do Sul Global nesse tipo de mercado”, acredita Jaques Paes.
A boa notícia é o potencial natural do Brasil em florestas, agricultura de baixo carbono e matriz energética limpa, além da pressão internacional por rastreabilidade e escopo. O fato negativo é o risco político, insegurança jurídica, sobreposição de legislações estaduais e conflitos de interesses entre entes federativos e empresas. Outro entrave é a falta de clareza sobre a titularidade de créditos em terras públicas e privadas.
“A vantagem competitiva do Brasil é única porque consegue gerar crédito de carbono com custo marginal baixo, alta adicionalidade e cobenefícios socioambientais, graças aos ativos florestais e práticas regenerativas, o que dá ao país a chance de liderar a oferta de créditos de alta qualidade”, explica Paes.
A seu ver, a precificação de carbono pode ser instrumento estratégico de política industrial verde, promovendo a descarbonização de cadeias produtivas e atraindo investimentos sustentáveis. Vantagens que devem ser mostradas na COP 30, em Belém. “A conferência pode funcionar como catalisadora para atrair investimentos, firmar acordos de transferência de créditos e posicionar o país como hub global de créditos tropicais”, aponta, citando projetos nacionais que conquistaram o reconhecimento internacional tais como os projetos de REDD+ da Biofílica, que atua na Amazônia com alta rastreabilidade e certificações internacionais; o Projeto Purus (Acre), reconhecido pelo Verra; o projeto da Tembici, que compensa emissões com créditos de mobilidade urbana; e a Petrobras, que possui iniciativas para neutralizar emissões com geração de créditos em suas áreas de reflorestamento. Também há iniciativas relevantes no setor sucroenergético, como as da Raízen, e no setor de resíduos, como o Aterro Bandeirantes, em São Paulo.
FIEC otimista com avanços
Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Ricardo Cavalcante, o Brasil está dando passos importantes na construção de um mercado de carbono a partir da aprovação da Lei nº 15.042, sancionada no final de 2024, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), dando bases legais para um mercado regulado. Com isso, cerca de 5 mil empresas passarão a ter metas obrigatórias para reduzir suas emissões de gases poluentes. Quem emitir menos do que o permitido poderá vender “cotas de emissão” para quem precisar compensar. E lembra que continua ativo o mercado voluntário que permite às empresas comprarem créditos de carbono por iniciativa própria.
Ricardo Cavalcante, presidente da FIEC. (Foto: Acervo pessoal)
Ele não tem dúvidas de que o Brasil tem uma enorme vocação para esse tipo de ação, especialmente com projetos de reflorestamento e preservação. “E não é só a Amazônia que entra nessa conta, biomas como o Cerrado, a Mata Atlântica e também a Caatinga, bioma tipicamente nordestino, têm potencial de se destacar”, acredita.
Cavalcante coloca o Brasil como um dos países com maior capacidade de gerarcréditos de carbono no mundo, graças à sua vasta cobertura vegetal, diversidade de biomas e à possibilidade de sequestrar carbono em grande escala, além das energias renováveis, da agricultura sustentável e das soluções baseadas na natureza. “Estudos apontam que o país pode adicionar US$ 100 bilhões no Produto Interno Bruto até 2030 com esse mercado”, citaRicardo Cavalcante.
A seu ver, o Brasil detém as melhores perspectivas mundiais para contribuir na redução de emissões com base em suas condições naturais. Apesar de ainda pequena, a participação brasileira tem amplo potencial de crescimento no mercado global que somente em 2023 movimentou em torno de US$ 104 bilhões e tem todos os ingredientes para conquistar uma fatia maior: florestas, biodiversidade, energia limpa e uma população engajada. Quais são então os desafios? “Ainda falta uma padronização global clara, o que dificulta a integração entre os países. Também há questões sobre a transparência e a qualidade dos projetos, o que é essencial para ganhar a confiança dos investidores”, responde ele.
Entre os exemplos promissores, o presidente da FIEC cita projetos nacionais, como o da Petrobrás, que vai investir R$ 1,5 bilhão em projetos de reflorestamento na Amazônia para restaurar 15 mil hectares e plantar cerca de 25 milhões de árvores. Também destaca projetos locais em desenvolvimento, caso do Ceará Carbono Zero, da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que está mapeando as emissões nos municípios para criar estratégias de compensação e neutralização.
Diferenciais brasileiros
O professor Artur Bruno, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), concorda com os diferenciais brasileiros para se tornar um líder global no mercado de carbono, mas argumenta que para se manter competitivo precisará avançar muito na redução do desmatamento, além da regulação transparente. “Somos o terceiro maior gerador decréditos voluntários, perdendo apenas para China e Índia, com 5% das transações globais, o que equivale ao valor estimado de US$ 300 milhões, com destaque aos projetos florestais, 70% deles na Amazônia Legal, apesar do crescimento acelerado no Cerrado e Mata Atlântica”.
Artur Bruno, presidente do Ipplan Fortaleza. (Foto: Acervo pessoal)
Ainda assim, segundo Artur Bruno, alguns gargalos dificultam um crescimento mais acelerado no mercado. “O primeiro deles é a clareza na Regulamentação, com uma legislação robusta, além da necessidade de aumentar nossa aderência nos padrões internacionais (ICVCM – Integrity Council for Voluntary Carbon Markets)”. O presidente do Instituto cita ainda o risco dasfalsas ações sustentáveis, denominadas Greenwashing, que advêm da falta de fiscalização e rastreabilidade dos projetos, para saber se realmente estão reduzindo as emissões.
Ao entender que, com a legislação, o Brasil poderá ingressar num fértil mercado de créditos de carbono criado a partir de projetos ou programas de retenção, redução ou remoção de Gases de Efeito Estufa, o professor prevê benefícios como o crescimento econômico atrelado ao mercado verde, possibilidade de financiamento de projetos sustentáveis, aumento da competitividade no mercado internacional, incentivo à agricultura sustentável e atração de investimentos.
Crédito de carbono de alta integridade
O gerente de Estratégias e Negócios na Earthood, empresa de auditoria para projetos do mercado de carbono, Max Almeida, vê o mercado voluntário de carbono no Brasil se desenvolvendo de forma consistente nos últimos anos, principalmente por conta da crescente demanda internacional pelos chamados créditos de alta integridade. São aqueles relacionados a projetos baseados na natureza, como florestais e agropecuários, principalmente no que tange à agricultura regenerativa, o que tem chamado a atenção de investidores e compradores internacionais, como Bayer, Microsoft e Apple, interessadas em créditos do mercado voluntário.
Max Almeida, gerente de Estratégias e Negócios na Earthood. (Foto: Acervo pessoal)
Mesmo assim, Max entende que ainda falta uma maior coordenação entre atores privados e públicos, além da insegurança jurídica envolvendo documentação fundiária, um problema igualmente enfrentado pela Colômbia. Por outro lado, o especialista vê oportunidades para um país rico em biodiversidade e de conhecimentos técnicos. Quem, como ele, convive com pessoas qualificadas no ramo há mais de três décadas, garante que “cada vez mais as empresas estão buscando conectar sua estratégia climática com uma geração de impactos reais na natureza e na redução das suas emissões”.
A Earthood também aponta avanços concretos domercado regulado, definindo como “um passo histórico” a aprovação da Lei 15.048, no final de 2024, estabelecendo que as empresas precisam reduzir as suas emissões com base em metas que serão definidas pelo Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.
O governo ainda trabalha nos decretos e normativas técnicas que vão definir os setores, os limites de emissões, o funcionamento do mercado e também a possível integração desse mercado regulado com o mercado voluntário, com os mercados internacionais e também com o artigo 6 do Acordo de Paris, que é o maior mercado internacional de carbono instituído no âmbito da Convenção 4 das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Para Max Almeida, o mercado regulado pode trazer previsibilidade e atrair investimentos, especialmente os investimentos verdes. “Há uma cobrança internacional para que o Brasil se ajuste a uma crescente linha de desenvolvimento verde”, lembra ele, acrescentando que isso vai depender de como será implementado o Sistema na prática e da intenção política. Para o especialista, o ideal seria que o mercado regulado brasileiro dialogasse com o voluntário e com o mercado internacional.
Crédito de carbono:
• A Política Nacional de Mudanças Climáticas sinaliza alguns setores que devem ser regulados pelo sistema, como energia elétrica, transporte público urbano, logística, indústrias de transformações e bens de consumos duráveis, indústrias químicas, mineração, serviços de saúde, construção civil, entre outras. A Lei exclui a atividade agropecuária, sujeita à regulação.
• O Plano Nacional de Alocação é um instrumento que irá organizar cada período de compromisso (ainda a ser definido) e outras questões importantes, como: Critérios de distribuição (gratuita ou paga), Limite máximo de emissões permitidas por empresa, Mecanismos para estabilizar os preços dos ativos, Proporção justa do uso permitido de CRVe (Certificado Eletrônico de Registro de Veículo) na compensação de emissões, entre outros critérios das transações.
• Tanto pessoas físicas como jurídicas podem usar estes créditos, mas a obrigação vem para as empresas que excederem o limite de 10.000 toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por ano. Essas empresas devem submeter a cada período de compromisso um Plano de Monitoramento para aprovação prévia pelo órgão gestor. Esse plano será obrigatório, com o envio anual de relatórios detalhado sobre as emissões e as remoções de gases de efeito estufa.
• Se a empresa exceder 25.000 toneladas de CO2e por ano, além desse relatório anual, deverá também apresentar uma conciliação das obrigações assumidas, seguindo todas as metodologias, ou seja, deverão demonstrar que conseguiram cumprir com os limites de emissão estabelecidos pela Lei.
• Caso o emissor não venha a cumprir as exigências, poderá ser punido, com multas, advertências e até o bloqueio das atividades. Chegando até a suspensão total ou parcial da atividade ou a restrição de alguns direitos.
• O Governo Federal terá o papel regulador e gestor do SBCE.
• O sistema de governança será distribuído em três órgãos: Comitê Interministerial de Mudanças Climáticas, um órgão gestor ainda não definido, e o Comitê Técnico Consultivo Permanente (CTCP). Ainda haverá uma Câmara de Assuntos Regulatórios.
Fonte: Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza
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