Especialistas apontam que é preciso dar preferência às obras que estão mais próximas da conclusão e que possuem grande relevância social. (Foto: Gilson Abreu/AEN)
O Tribunal de Contas da União (TCU) acenou com a esperada notícia de retomada de obras públicas paralisadas, algumas delas há duas décadas, e que passam de 11 mil. Os números são assustadores e envolvem investimentos federais desperdiçados na construção e ampliação de escolas, estradas e hospitais em deterioração e distribuídos em praticamente todo o mapa brasileiro.
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Segundo o último relatório do TCU, a educação básica, a infraestrutura e mobilidade urbana e, ainda, a saúde lideram o ranking de paralisações nos estados do Pará – o mais afetado – Maranhão e Bahia. Especialistas entendem que a retomada depende de maior eficiência no planejamento e na gestão deste imenso canteiro de obras que, garantem eles, somente serão executados com muita transparência nas licitações e nas parcerias público-privadas.
O diretor de Planejamento e Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), Roberto Guimarães, aplaude a decisão e defende que a retomada deve seguir o que chamou de “uma matriz de decisão que leve em conta o estágio mais avançado dos empreendimentos e não os que estão apenas começando”. Ele citou obras de escolas e postos de saúdes que, além de paralisadas, geram custos adicionais de manutenção e de segurança. “Quanto mais próximo de seu término, as obras exigirão menores recursos e menor tempo para finalmente cumprirem a sua missão junto à população”, ilustra.
Ele vai além dizendo que mesmo obras maiores como estradas ainda em projetos ou à espera de licenciamento não devem estrar na lista de prioridades. “O momento é de cobertor curto frente a despesas públicas em desequilíbrio com a geração de receitas”, pondera.
O diretor da ABDIB frisa que se, de um lado, o que se vê é abandono em milhares de obras espalhadas pelo Brasil dependentes de recursos da União, em se tratando de concessões e privatizações o ritmo vem se mantendo dentro do contratado com empresas ou consórcios privados que se propuseram a correr riscos.
Quem concorda com uma gestão mais eficiente na retomada de obras pelo governo é o vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração (Sobratema), Eurimilson Daniel. “Em se tratando de obras públicas falta a presença do governo que está devedor perante a sociedade”, diz. Ele também defende a necessidade de um olhar clínico distante de interesses políticos para dar continuidade a obras que estejam próximas de sua finalização. Eurimilson lembra que na vasta lista há projetos ainda em fase de terraplenagem, ao passo que há outros, como pontes, que faltam apenas a cabeça final, da mesma forma que acontece em escolas em fase de acabamento.
“Há muitas promessas e reclamações”, ilustra, acrescentando que a causa encontra explicação no enorme desequilíbrio político onde a distribuição de verbas não consegue atender o protocolo. A seu ver, há cortes no investimento em infraestrutura para dar prioridade a outras áreas do governo que gasta mais do que arrecada, comprometendo obras vitais. “A saída é ordenar pelo critério do tempo de acabamento para garantir continuidade e celeridade”, afirma.
Para a Sobratema, a tendência é de cada vez mais se alongar as decisões de investimentos públicos enquanto não houver um equilíbrio fiscal com corte de despesas para fazer frente às receitas.
Exemplo deste desencontro de contas é retratado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2024 foram investidos R$ 30 bilhões (63% do orçamento). No primeiro trimestre deste ano, segundo relatório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e dados oficiais dos ministérios envolvidos, foram R$ 695 milhões, apenas 5% do orçamento.
“A priorização de obras segue muito mais o critério do peso político e das relações políticas, exceto em obras de absoluta emergência como o caso de pontes destruídas por enchentes ou outras catástrofes climáticas”, diz o vice-presidente da Sobratema.
Também ele entende que, considerando as fontes de financiamento, a alternativa mais viável é a via das concessões, fundos de investimentos e privatizações onde demandas têm atratividade para o investidor e atendem a expectativa da população. Neste sentido, o Sudeste e o Paraná têm respondido muito bem com cobrança e transparência.
A seu ver, a grande saída mesmo “não é aumentar impostos a qualquer custo para manter a máquina pública”. É preciso eliminar as polarizações e benefícios sociais sem critérios claros e evitar os perigosos gargalos como a falta de mão de obra com custo acima do INPC para atender as demandas onde elas forem necessárias. Assim tem sido, exemplifica, em áreas como as do agronegócio, mineração e infraestrutura, que andam graças às concessões e privatizações.
A Superintendência de Obras Públicas do Ceará (SOP) concorda que a retomada de obras com recursos federais é de extrema importância para o desenvolvimento socioeconômico do país, especialmente nos pequenos municípios. A conclusão dessas obras traz benefícios como a melhoria da infraestrutura, a geração de empregos, mais segurança e a realização de serviços essenciais para a população. Na contramão da realidade de outros estados, o Ceará comemora pelo fato de as obras com recursos federais estarem em pleno andamento.
Trata-se, em sua maioria, de escolas profissionalizantes distribuídas nos mais diversos municípios cearenses. “Também nos orgulha muito o atual estágio de andamento das obras de construção da sede do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em Fortaleza. A primeira etapa segue em ritmo acelerado, enquanto que a segunda deverá ser iniciada em breve. Pela primeira vez na sua história, esse importante Instituto terá uma unidade fora de São Paulo”, destaca o superintendente da SOP, Valdeci Rebouças.
A mais representativa entidade do setor, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), diz que são muitas as causas das paralisações, a começar por problemas nos projetos técnicos, falhas na execução contratual até a falta de orçamento e entraves como desapropriações e licenciamento ambiental. Acrescenta as limitações legais para alterações de escopo, dificuldades para revisar contratos e interferências de órgãos de controle. “Também temos o problema das licitações no “modo aberto”, que acabam atraindo propostas inviáveis e gerando abandono de obra”, alerta o vice-presidente de Infraestrutura da CBIC, Carlos Eduardo Lima Jorge. Com isso, todos sentem as consequências como deterioração de materiais até o prejuízo nos serviços públicos.
Igualmente, a CBIC entende que é preciso dar preferência às obras que estão mais próximas da conclusão, de grande relevância social e com viabilidade técnica e contratual. O objetivo é usar bem os recursos e entregar resultados à sociedade, especialmente utilizando os recursos já contratados pelo governo federal, via Orçamento e PAC. Lima Jorge sugere o uso de fundos estaduais e municipais e emendas parlamentares, que o Poder Executivo direcionar junto ao Congresso. Existe, inclusive, a proposta de criar um fundo único para reaproveitar os recursos que ficarem disponíveis.
Para ele, o maior desafio na retomada das obras é melhorar a qualidade dos projetos, fazer licitações mais equilibradas, agilizar processos de desapropriação e licenciamento, liberar os recursos de forma mais rápida e garantir uma boa gestão dos riscos contratuais. “Transparência e controle social são fundamentais para evitar paralisações injustificadas, a garantir o bom uso do dinheiro público e a cobrar o cumprimento dos prazos”, destaca.
Rafael Medeiros, diretor Executivo B2B da Global, empresa de recuperação de crédito entre empresas, consegue medir o impacto das obras paradas pelo volume crescente de inadimplência. O setor da construção se destaca como o terceiro maior em volume de títulos de cobrança, atrás apenas de bens de consumo não duráveis e alimentos e bebidas.
Essa realidade se traduz em canteiros parados, cronogramas descumpridos e custos crescentes que muitas vezes não aparecem nas planilhas iniciais. Estimativas mostram que os atrasos em projetos podem chegar a custar R$ 59 bilhões entre 2023 e até o final deste ano, o que representa 8% do total de investimentos previstos, segundo um levantamento feito pela Delloite para a Fiesp.
“Embora a burocracia e outros gargalos contribuam para esses atrasos, a inadimplência de clientes e fornecedores adiciona uma camada extra de ineficiência”, afirma. Isto porque cada fatura não paga ou entrega não realizada a tempo pode desencadear um efeito dominó que paralisa obras e exige injeções adicionais de recursos – um custo oculto que acaba sendo repassado para o projeto e, em última instância, para o consumidor final. “Tempo é dinheiro: quanto maior o atraso, menor a chance de recuperação”, finaliza.
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