Novas experiências, sustentabilidade e personalização tornam turistas cada vez mais responsáveis e exigentes

Por: Gladis Berlato | Em:
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Dados do Ministério do Turismo mostram que em janeiro 1.483.669 de turistas internacionais desembarcaram no Brasil, um melhor primeiro mês desde 1970. (Foto: Envato Elements)

Conflitos internacionais, pandemia, enchentes, queimadas e secas, fenômenos climáticos severos, mas não suficientes para frearem os turistas e a paixão por viagens. Basta lembrar que assim que a Covid-19 deu uma folga, os aeroportos, portos e rodoviárias retomaram seu ritmo, impulsionados também pelo recomeço dos eventos que lotam hotéis e centros de convenções. A mesma pandemia que acelerou a digitalização dos processos no turismo e aproximou os viajantes das agências de viagens e diretamente dos destinos desejados.


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Em 2024, o Brasil bateu recordes no ingresso de turistas estrangeiros com mais de 6,6 milhões de visitantes, 12,6% superior a 2023. Segundo dados da plataforma mundial de acomodações Booking.com, o Brasil figurou entre os cinco mais procurados para férias entre abril e junho de 2024, quando houve um aumento de 61% nas buscas por acomodações da rede hoteleira e demais opções. O país fica atrás apenas da Espanha, Itália, Estados Unidos e França.

Internamente, apenas 5 dos 27 Estados brasileiros respondem pela metade do fluxo turístico. São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia estão no topo dos destinos, seguidos pelo Paraná, Pernambuco, Santa Catarina e Goiás. Entre os destinos nacionais com crescimento expressivo estão Salvador (+148%), Recife (+43%), Fortaleza (+56%), Maceió (+46%) e Natal (+49%).

Estratégias brasileiras para atrair turistas

Para tornar o Brasil um destino globalmente competitivo, a Embratur tem adotado algumas estratégias, a começar pelo aumento da conectividade aérea com a atração de voos internacionais. Outra iniciativa é promover a colaboração entre os estados, a exemplo do Consórcio do Nordeste em parceria com a Embratur, com vistas a gerar interesse pela região como um todo no exterior. Por conta dos Roadshow Visit Nordeste, na Europa, somente nos dois primeiros meses de 2025, houve um aumento de 65,3% na chegada de turistas estrangeiros na região sobre o mesmo período de 2024.

Na carona da COP 30, em Belém (PA), agrega-se o esforço de transformar a Amazônia como um destino sustentável. A criação do Programa de Apoio à Captação de Eventos Internacionais é outra ação que visa atrair estrangeiros para o potencial turístico nacional.

O ano de 2025 começou bem. Dados do Ministério do Turismo mostram que em janeiro 1.483.669 turistas internacionais desembarcaram em solo brasileiro, um melhor primeiro mês desde 1970, 55% superior a janeiro do ano passado. A Argentina e o Chile puxaram o volume de turistas. Se este ritmo permanecer, será possível atingir a meta do Plano Nacional de Turismo (PNT) de colocar o Brasil como o principal destino turístico da América do Sul, atraindo 8,1 milhões de turistas internacionais no ano e gerando mais de US$ 8,1 bilhões em receitas.

Turismo cearense terá ano histórico

O secretário do Turismo do Ceará, Eduardo Bismarck, não se intimida com este novo turista mais exigente e consciente pelo fato de o estado oferecer bem mais do que belas paisagens para registro nas redes sociais. “O turista de hoje procura experiências completas com infraestrutura de qualidade, gastronomia, autenticidade cultural, contato com a natureza e responsabilidade ambiental, exatamente o que temos a oferecer”, argumenta.

secretário do turismo, Eduardo Bismarck, fala sobre turistas internacionais
Eduardo Bismarck, secretário do Turismo do Ceará. (Foto: Acervo pessoal)

Ele atribui os números favoráveis a estes fatores. No primeiro quadrimestre, o Ceará recebeu 30.940 turistas internacionais em voos diretos, 42,57% acima de igual período de 2024 e 31,74% de toda a demanda internacional do ano passado. “Os resultados não são frutos do acaso, mas reflexo de um trabalho estratégico focado na ampliação de nossa presença no cenário internacional e na valorização do que temos de melhor”, afirma o secretário, convicto de que 2025 será histórico para o turismo estadual.

O esforço do governo cearense inclui a promoção do Ceará nos principais eventos de turismo do mundo e também a conquista dos três novos voos internacionais anunciados em 2025 (Madri, Lisboa e Caiena), reforçando a malha aérea e ampliando o alcance a mercados prioritários.

Além das atrações já consolidadas envolvendo praias, gastronomia e os esportes náuticos, o secretário Eduardo Bismarck destaca a sustentabilidade como um pilar cada vez mais presente no planejamento.

“O turismo que estamos construindo é aquele que respeita o meio ambiente, valoriza as comunidades locais e pensa no futuro. Um turismo que gera renda, inclusão e preserva nossos tesouros naturais e culturais para as próximas gerações”, afirma ele, que enxerga o turismo como uma força ainda maior para a economia, a cultura e o desenvolvimento social do Ceará até 2027.

Turistas diferenciados

Para a conselheira da Associação Brasileira de Agências de Viagem (ABAV), Jussara Yanes Leite, quem viaja quer e merece informações e serviços de profissionais do turismo que atendam os seus desejos. Ao longo de 40 anos de atividade – hoje proprietária da Personal Turismo – esta uruguaia acompanhou as mudanças de perfil dos turistas que buscam experiências em destinos sustentáveis, locais que contêm histórias, que ofereçam aventuras ou que sejam esportivos ou gastronômicos. Cresce, segundo ela, a preocupação com escolhas socialmente responsáveis com práticas voltadas ao cuidado com crianças e adolescentes contra a violência, citando como exemplo o engajamento da rede hoteleira do Norte e Nordeste.

turistas estão mais exigentes
Jussara Yanes Leite é conselheira da ABAV. (Foto: Acervo pessoal)

Com menor tempo de permanência nos destinos internacionais (não mais de 14 dias), o viajante brasileiro está fugindo um pouco do turismo de massa. No Brasil, aprendeu com a pandemia a valorizar o turismo doméstico, que não se resume a praias. “Minas Gerais pela sua história e São Paulo pela diversidade são opções que afloraram. No Sul, a Serra Gaúcha, consolidada como destino turístico, soube se organizar com atrações muito além do Natal Luz e da Páscoa”, afirma.

Com a plena retomada das operações do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), após a enchente de maio de 2024, a CVC – entre as maiores operadoras de viagens do Brasil – observa um aumento expressivo na procura por pacotes para a região, que aparece entre os top 5 destinos mais desejados para a viagem de férias. A Serra Gaúcha lidera as buscas por pacotes partindo da Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Maranhão, Rio Grande do Norte e Piauí. E é o segundo destino mais procurado por passageiros do Paraná, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe e Roraima, em todo Brasil.

Também diretora do SindiTur-RS, Jussara Leite defende a necessidade de redução da incidência de impostos em cascata em toda a cadeia do setor para que esta indústria limpa, sem chaminés, possa avançar ainda mais.

Viajantes multiculturais

Para quem contabiliza quase 40 viagens internacionais a países da América do Norte, Ásia e Europa (29 vezes), os administradores Vladson Chaves e Cícero Leite, que viajam desde 2009, viraram fãs de diferentes culturas. Enquanto as crianças da época deles falavam em Beto Carrero e Disney, Cícero sonhava em conhecer os castelos e Vladson já sabia todas as capitais do globo desde a quinta série. A paixão por viagens também é fruto do encontro dos astros que uniu um geminiano com um sagitariano, signos aventureiros.

No Brasil, só falta visitar as capitais de Roraima, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Acre e Rondônia. Os roteiros internacionais, que incluem destinos menos convencionais como Bulgária, Geórgia, Letônia, Lituânia, Estônia e Luxemburgo, são antecipadamente estudados nos detalhes para evitar gafes.

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Vladson Chaves e Cícero Leite contabilizam quase 40 viagens internacionais. (Foto: Acervo pessoal)

Recomendações para turistas

“Não é recomendável falar inglês na França. Hoje já damos um ‘bonjour’ e perguntamos em francês se falam inglês, daí o mundo se abre”, exemplifica Vladson. “Da mesma forma, falar ‘how are you’ para os alemães não é adequado porque falta intimidade para tal. Pegar ônibus em Israel sem olhar para o número é complicado porque o letreiro começa em hebraico, depois em árabe e quando aparece em inglês já é tarde para solicitar a parada”.

Assim como se providencia roupas de acordo com o clima do destino, é preciso estar atento a outras necessidades como remédios básicos que sejam permitidos, adaptador para tomadas elétricas, cartão internacional, peças de roupa na mochila em separado da mala para emergências, alguma diversão (livro, tablet, revistas), medidor de peso para malas, sapatos confortáveis preferencialmente já usados e muita paciência e adaptabilidade.

Para Vladson e Cícero, há experiências marcantes que levam a pensar se voltariam. “Tenho dúvidas se retornaria a Israel porque estávamos lá quando estourou a guerra e vivemos momentos de tensão e pavor até conseguirmos deixar o país”, exemplificam. Eles também adiantam que, na opinião deles, há outros locais para serem visitados uma só vez, como Chile, Áustria, Finlândia, Eslováquia, Geórgia e Bulgária.

Diante das zonas de conflito e das loucuras de Donald Trump, o casal coloca a China como opção para as próximas viagens pela junção da modernidade com tradição. É também o caso de Luanda, na Angola, que está no radar da dupla pelo encontro com raízes que desconhecem. Marrocos e a Rússia estão na fila para quando tudo se acalmar. “Toda a América Latina também é um poço de curiosidades, de boa comida, paisagens incríveis e povo acolhedor”, acrescentam.

Para eles, experiência é o que move as pessoas. Mas eles separam aquelas que querem apenas postar imagens de comidas e lugares nas redes sociais, daquelas que realmente buscam aprender mais, compreender, de verdade, a cultura local. “Buscamos conexões culturais e emocionais”, ilustram. Por isto insistem na necessidade de estudar antes de embarcar. “Como olhar para a Casa Rosada em Buenos Aires e não imaginar Eva Peron acenando para a multidão? Seria só um prédio rosado em frente a uma praça sem graça”, finalizam.

Turista contemporâneo

O gestor de Comércio, Serviço e Turismo do Sebrae/CE, Felipe Cidrão, concorda com Vladson e Cícero no turismo de experiência. “Trata-se de um viajante mais jovem, contemporâneo, mais consciente, mais conectado e também mais exigente que busca autenticidade. Ele quer vivenciar experiências transformadoras e culturais, o que exige empresas atentas. Não bastam monumentos”, ilustra.

Felipe Cidrão, gestor de Comércio, Serviço e Turismo do Sebrae/CE. (Foto: Acervo pessoal)

Para ele, mais recentemente a sustentabilidade passou a integrar o radar do turista que quer vivenciar as tradições culturais, conhecer o artesanato feito pelos moradores. A propósito, o Sebrae/CE tem o projeto Quintais Gastronômicos, no município de Amontada, no Ceará, formado por mulheres de pescadores e pela comunidade que literalmente abriram os quintais das suas casas para oferecer a gastronomia regional com frutos do mar de alta qualidade e para contar as histórias.

O turismo menos massificado é também uma realidade observada pelo gestor do Sebrae/CE. Ele cita como em alta destinos de charme, locais que têm uma preservação natural em maior destaque e integração com a natureza. “Temos uma rota turística chamada Sertão Monumental, com formações rochosas de monólitos e esportes de aventura integrados à natureza, que tem sido muito valorizada”, ilustra, dizendo que o Sebrae vem estruturando e trabalhando nesses produtos, nesses equipamentos turísticos para estimular e fortalecer a economia na região através do turismo.

Para esse novo perfil de viajante, Felipe Cidrão destaca que o turismo precisa se reinventar constantemente, se qualificando, investindo em gestão, melhorando o atendimento, inovando nos produtos e adotando tecnologias. Para ele, a ampliação de vôos internacionais é fundamental para atrair turistas de várias regiões e continentes.

Ano promissor

Estudo recente relativo ao primeiro trimestre de 2025 mostra que o Ceará recebeu mais portugueses, seguidos da Argentina, Estados Unidos, Itália e França. Para o segundo semestre, alta temporada para os esportes náuticos, o fluxo deve aumentar ainda mais originados da Europa e América do Sul. A disponibilidade de aeroportos em Fortaleza e Jericoacoara (Cruz) tornam o Ceará mais competitivo interna e externamente.

Felipe Cidrão insiste que o turismo requer um bom planejamento e coletivamente, trabalhar a cultura da cooperação através do fortalecimento da governança e valorizar o que se tem de melhor e que vem da natureza que não pode ser ignorada. Não à toa, o Sebrae está desenvolvendo, em parceria com as rotas turísticas do Ceará, um selo ODS.

Os empresários vêm aderindo a essa consultoria para, de forma prática, estruturar ações e iniciativas que se encaixem e contribuam com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU. “O novo turismo está até disposto a pagar um pouco mais por um serviço ou por uma experiência que apresenta de forma efetiva e real as boas práticas de responsabilidade social e ambiental”, afirma Felipe.

O município de Baturité é uma das localidades contempladas pela Rota Verde do Café. (Foto: Adobe Stock)

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