O mercado de energias renováveis supera 200 gigawatts, mas está de frente com o desafio da insuficiente estrutura de armazenamento. (Foto: Envato Elements)
Sétimo maior investidor mundial em energias renováveis, desde os anos 2000 o Brasil vem realizando investimentos crescentes que chegaram a R$ 76,9 bilhões em 2024. Agora, o setor vive um dilema: de um lado proliferam projetos de usinas eólicos e solares, de outro, enfrenta a falta de capacidade de armazenamento, o que ameaça novos investimentos e a projeção governamental de superar os R$ 200 bilhões em empreendimentos energéticos sustentáveis até 2028. O risco alcança, inclusive, os recursos internacionais onde o país lidera com participação de 11% entre os emergentes nos últimos sete anos.
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Trata-se de um mercado superior a 200 gigawatts, que planeja continuar crescendo para atingir 294,66 gigawatts até 2029, mas que está de frente com o desafio da insuficiente estrutura de armazenamento. A característica da intermitência das fontes renováveis (eólica e solar) não permite a previsibilidade, o que complica a trajetória do Brasil como protagonista na transição energética.Em poucos anos, a geração eólica e solar responderá por 40% do total da energia elétrica consumida, o que requer medidas urgentes na acumulação desta energia.
Há soluções. Quem sabe alguma sinalização venha da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que, no início de maio, integrou uma missão técnica internacional ao lado da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e representantes de universidades brasileiras em busca de mais conhecimentos sobre Sistemas de Armazenamento de Energia por Baterias (BESS). Ou da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento (ABSAE) que promoverá o 1º Global Summit, em Brasília, no dia 28 deste mês de maio, em busca das melhores alternativas a partir da experiência de países que equacionaram o problema como Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Chile.
O presidente do Conselho da ABSAE, Markus Vlasits (foto), vê como essencial que o crescimento da geração distribuída, que atualmente conta com quase 40 GW instalados, seja acompanhado por um avanço proporcional do armazenamento distribuído. A realidade, entretanto, é outra. “O setor carece tanto de sinais econômicos como de um marco regulatório adequado para tal”, comenta, ainda esperançoso que no médio prazo, o armazenamento distribuído se torne muito relevante e garanta estrutura para uma operação segura da geração distribuída massificada.
Sua expectativa positiva se estende à criação de um marco regulatório específico para o armazenamento de energia.“Somos esperançosos que a ANEEL publique sua primeira resolução normativa para o armazenamento ao longo das próximas semanas para que aprimoramentos futuros sejam feitos a partir desta primeira resolução”, diz ele.
A grande expectativa, no entanto, é pela realização, ainda neste ano, do primeiro leilão de reserva de capacidade voltado para baterias. O setor argumenta que o leilão deveria contratar com, pelo menos, 2,0 GW, o que já servirá para fazer uma grande diferença. O volume ainda está longe da necessidade de contratação de 38 GW de potência até 2034, que poderão vir de várias origens. Estima-se que o novo mercado de armazenamento de energia movimentará cerca de R$ 40 bilhões (US$ 8 bilhões) ao longo da próxima década.
Como CEO da NewCharge, empresa de engenharia e desenvolvimento de projetos de armazenamento, Vlasits sabe da importância de debater a utilização do armazenamento por unidades consumidoras, também o papel de agregadores de usinas virtuais, além do uso da tecnologia pelas próprias distribuidoras de energia. E reforça sua defesa em prol do uso de baterias para armazenamento da energia solar até para contribuir para a descarbonização. É o caso da Amazônia e de outras regiões de baixa densidade demográfica, ainda sem energia elétrica, ou servidas por geradores movidos a óleo diesel, caro e poluente.
A nível global, usinas hidrelétricas reversíveis e sistemas de armazenamento em baterias, representam as tecnologias mais utilizadas. Até 2030, o armazenamento em baterias deverá se tornar a tecnologia dominante, graças à rápida redução de custos, modularidade e celeridade na implantação de projetos.
Embora dominantes no mercado, as baterias de íons de lítio têm custo ainda elevado e poluente, ainda que seu preço tenha caído em mais de 90% durante os últimos 10 anos, com tendência de continuada queda. “Acreditamos que haverá uma redução adicional de pelo menos 30 a 40% ao longo dos próximos 3 a 5 anos, em função de ganhos de escala e aumento de densidade energética”, afirma.
Quanto ao maior ou menor impacto ambiental, dependerá da matriz energética utilizada na fabricação dos componentes. Tanto a purificação do lítio, como a produção do grafite exigem processos com elevada densidade energética. Vlasits destaca que atualmente os sistemas de armazenamento estacionários utilizam quase exclusivamente baterias de lítio-ferro-fosfato (LFP), que não contêm nenhum elemento tóxico, tendo seu cátodo feito de lítio, ferro e fosfato e seu anodo de grafite.
O mercado aposta em baterias de estado sólido, fluxo redox e hidrogênio verde.Para o presidente da ABSAE, as baterias de estado sólido poderão ter sua industrialização em massa ao longo dos próximos 5 anos, provavelmente voltadas à aplicação na mobilidade elétrica. Isto se deve à principal vantagem do eletrólito sólido x líquido que é o aumento da densidade energética.
Para aplicações estacionárias, as baterias de íons de sódio poderiam representar uma alternativa potencialmente interessante. O processamento do sódio é muito mais simples que os processos equivalentes para o lítio. Adicionalmente, estas baterias têm uma tolerância maior para descargas profundas. No entanto, apesar de avanços relevantes ao longo dos últimos anos, baterias de íons de sódio ainda não são competitivas com baterias LFP e precisarão de uma redução aproximada de custo de 30% para ser uma alternativa economicamente viável.
Tecnologicamente mais antigas, mas com características técnicas interessantes, as baterias de fluxo redox ainda não provaram sua competitividade em comparação com a tecnologia de lítio. Além disso, a principal variante de baterias de fluxo – as de vanádio redox – é o fato de utilizarem um elemento escasso e potencialmente tóxico. Os armazenamentos térmico e mecânico são outras opções tecnológicas sem grande representação no mercado atual, mas possivelmente poderão se tornar relevantes no futuro.
Lauro Fiúza Jr. (foto), presidente da Servtec Energia, pioneira na energia eólica, com atuação também no segmento solar, sabe que o excesso de produção de energias limpas, que deveria ser uma solução, virou um problema. Ele lamenta, entretanto, que o Operador Nacional do Sistema (ONS), unilateralmente, passou a cortar o recebimento de energia solar e eólica (curtailment), sem prévia negociação, desorganizando a cadeia produtiva.
Embora seja um agente ativo do setor, ele confessa que não vislumbra uma solução não pensada por nenhuma das partes, o que Fiuza chamou de “zona cinza”. “Devem existir soluções técnicas para um sistema de acumulação, como a colocação de bancos de baterias para o armazenamento da energia não consumida”, comenta ele. Sua análise é de que o caminho é bastante oneroso e inviável para quem produz, que já enfrenta prejuízo na taxa de retorno.
Na análise de Mariana Cavalcanti (foto), coordenadora de Engenharia do grupo Kroma Energia, o planejamento do sistema de transmissão é essencial para possibilitar o escoamento da geração e, consequentemente, a disponibilidade de energia, item imprescindível para o crescimento do país. A rápida expansão da oferta de geração, infraestrutura de escoamento insuficiente e intermitência das fontes tem levado ao aumento do curtailment em diversas usinas solares e eólicas não previsto no modelo financeiro, ocasionando impactos significativos na rentabilidade do projeto, além da perda de receita e desperdício de energia limpa.
Sua expectativa é de que entrem em operação novas linhas de transmissão nos próximos anos e que o governo efetivamente realize leilões de reserva de capacidade, incluindo os sistemas de armazenamento de energia por baterias — medida que pode contribuir significativamente para a estabilidade e eficiência do sistema elétrico nacional.
Para Mariana, não faltam soluções citando as usinas reversíveis; os compensadores síncronos; a expansão das linhas de transmissão; aumento da carga e o BESS como peça-chave para viabilizar a expansão das fontes renováveis de forma segura, eficiente e sustentável. Entre as vantagens da opção pelas baterias ela destaca a atuação como um mecanismo de suavização da potência gerada, reduzindo as variações no curto prazo ao absorver os picos e compensar os vales de geração, por meio dos ciclos de recarga e descarga das baterias. Isso contribui diretamente para a maior integração de fontes renováveis intermitentes ao sistema elétrico.
“Essa solução já é uma realidade em diversos países, como o Chile, que enfrenta desafios semelhantes ao Brasil, com excesso de geração intermitente e limitações na capacidade de escoamento da rede de transmissão”, ilustra. No Brasil, o uso do BESS ainda está em fase inicial, mas há um potencial considerável a ser explorado, a começar pelo custo, a exemplo do que aconteceu com os equipamentos voltados à geração solar e eólica. “Com isso, espera-se um aumento expressivo na quantidade de projetos que incorporam o BESS, contribuindo para um sistema elétrico mais resiliente, limpo e eficiente”, afirma ela.
“A falta de previsibilidade gera insegurança entre os investidores, o que tem levado muitos a postergar ou até mesmo suspender seus investimentos”, informa. Na Kroma Energia, apesar dos desligamentos feitos pelo ONS, os projetos em andamento estão seguindo o cronograma previsto. O Complexo Arapuá (247 MWp), localizado em Jaguaruana/CE, está em construção desde outubro de 2024 e tem previsão de início de operação comercial em janeiro de 2026. O Complexo Colinas (130 MWp) iniciou a supressão vegetal neste mês de maio e está com início de operação previsto para maio de 2026. O investimento total dos dois projetos é de, aproximadamente, R$ 1,17 bilhões. Porém, a empresa estuda com cuidado o lançamento de novos projetos.
O consultor para a área de energia da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC), Jurandir Picanço (foto), também aponta o uso de baterias como solução, cujos preços, antes inacessíveis, já são aceitáveis. Ele garante que esta tem sido a alternativa adotada pelos países desenvolvidos no mundo inteiro. “O fato é que o Brasil está atrasado no assunto”, afirma, lembrando que há fabricantes prontos para o atendimento da necessidade, caso da Baterias Moura, disposta a oferecer baterias para sistemas estacionários.
Picanço também registra sua preocupação com a indefinição do leilão exclusivo para armazenamento de energia, especialmente em baterias, em 2025. O leilão, anunciado pelo Ministério de Minas e Energia, objetiva contratar sistemas de armazenamento para o setor elétrico, integrando mais energia renovável intermitente (como solar e eólica), mas não há data definida e deve chegar aparentemente bastante limitado, na sua visão.
O dilema terá que ser enfrentado por todos porque, sabidamente, este é um caminho sem volta. Trata-se de um “bom problema” para quem, como o Brasil, tem uma combinação de diferentes fontes de energia renovável.
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