Um dado animador para os produtores: até 2025, o consumo mundial de alimentos aumentará 62%. Dado assustador para todos: há desperdício de alimentos em todo o mundo. E o Brasil joga fora o suficiente para alimentar 32 milhões de pessoas, quase as 33 milhões que passam fome, uma mazela que, entretanto, abre oportunidades de negócios sustentáveis e socialmente responsáveis.
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A preocupação, nada nova, foi manifestada por Godofredo Cesar Vitti, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), durante o evento SolloAgro Summit, em Piracicaba (SP), no final de junho. E ganha maior dimensão quando números da Organização das Nações Unidas comprovam que, apenas em 2019, foram desperdiçadas 931 milhões de toneladas de alimentos ao redor do mundo. Há quem garanta que quase um terço dos alimentos vai para o lixo antes de chegar à mesa.
“Nos próximos 50 anos, a humanidade vai enfrentar desafios como energia renovável, água doce, meio ambiente e alimentos. E neste universo, a agricultura brasileira tem papel preponderante porque sem alimento há pobreza, fome e não há democracia”, Godofredo Cesar Vitti, professor da Esalq/USP.
No Ceará, como liderança de classe, o presidente do SindiAlimentos, Isaac Bley, garante que na cadeia de produção industrial da alimentação não há espaço para desperdícios porque envolve a sobrevivência do negócio, já bem limitado em suas margens. Além disso, Isaac afirma que a entidade atua como facilitadora, mantendo a pauta ambiental em alerta permanente junto aos associados.
Como empresário do setor, à frente da Alimempro, empresa cearense especializada no beneficiamento do alho roxo nobre, doa as cascas do alho para diferentes usos, mas já busca viabilizar, pelas suas propriedades, um subproduto de alto valor no combate ao carrapato. “Com isso, além de respeitar o meio ambiente, estaremos gerando algum valor para reduzir nossos custos internos”, comenta.
Taiene Righetto, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Ceará, diz que a prolongada pandemia acabou ensinando os empresários do setor a trabalharem de maneira mais otimizada com os recursos disponíveis, passando a utilizar com mais intensidade os controles para diminuir o desperdício de alimentos.
A Abrasel entende que, com a retomada, a lição permanecerá. “Vamos nos organizar junto aos associados para entendermos melhor a nova legislação que permite doações dentro de um regramento sanitário seguro”, afirma. A entidade representa mais de 600 associados, 500 dos quais estão em Fortaleza. A iniciativa tende a ter reflexos importantes na medida em que se sabe que existem no estado cerca de 10 mil estabelecimentos de alimentação fora do lar.
Soluções para o desperdício de alimentos
Problema e oportunidade se encontram. Com menor ou maior complexidade, as soluções existem, seja pelo feeling dos gestores, seja por soluções inovadoras já acessíveis baseadas na tecnologia. O mercado das foodtechs, as startups que desenvolvem soluções para o setor alimentício, tem mostrado caminhos que levam o segmento a ver a cadeia de alimentação e distribuição de maneira mais eficiente e responsável, reinventando hábitos em todo o Planeta.
Dados da instituição britânica The Food Tech Matters dão conta que as foodtechs deverão receber R$ 980 bilhões neste ano, fruto da confiança de empreendedores e investidores. Mas atenção! Já há uma sinalização de que os investidores estão ficando mais rigorosos nas suas inversões em busca de resultados.
Na Food To Save o desperdício de alimentos virou oportunidade de negócio para todos. A empresa conecta restaurantes, hortifrutigranjeiros e padarias a consumidores com a simples missão de intermediar a venda de produtos prestes a perder a validade.
Com apenas um ano de atividade e com atuação em São Paulo, Campinas, Grande ABC e Rio de Janeiro, a Food To Save, opera através de sacolas- surpresas de alimentos, aleatoriamente montadas e com preços diferenciados, com descontos de até 70%. Do total da receita, 40% remunera a startup. O sistema é simples: os consumidores fazem os pedidos através do site e retiram ou recebem a mercadoria pelo sistema delivery.
A startup quer ir além dos 600 parceiros fornecedores, mais de 300 mil sacolas já comercializadas envolvendo quase 300 toneladas de alimentos que deixaram de ser descartados se não fossem consumidos em tempo hábil, ou seja, a cada minuto uma nova sacola é salva pelos foodsavers. A empresa está em processo de captação de R$ 1,3 milhão através da plataforma de investimentos CapTable. Os recursos serão aplicados em estrutura tecnológica para intensificar o negócio já com planos de ampliar o raio de atuação para as principais capitais brasileiras.
Para Lucas Infante, CEO e co-fundador da Food To Save, o propósito não é só evitar o lixo como destino. “Existe um enorme desafio cultural e de expansão geográfica deste modelo para a empresa”, diz ele, ao acrescentar que o papel fundamental é contribuir para melhorar a distribuição de alimentos e mudar o cenário de insegurança alimentar, com impacto ambiental muito positivo.
“Nosso grande papel é educar e reeducar a sociedade brasileira para o consumo consciente num País desigual como o nosso, onde não faltam alimentos”. Lucas Infante, CEO e co-fundador da Food To Save
A Veggi Tecnologia é outra plataforma do ramo da alimentação que, igualmente, junta os interesses de quem produz e quem consome. Desde 2020, a empresa, ex-Marmitapp, deu um salto quando vislumbrou a chance de acelerar o crescimento, adicionando em seu radar os primeiros restaurantes veganos.
“Observamos que havia uma enorme demanda reprimida por opções veganas no delivery, um mercado que já vinha crescendo 40% ao ano e que foi acelerado com a Covid-19”, conta o diretor executivo, Leonardo Felippo Nones. Basta saber que no Brasil, três a cada 100 pessoas aderiram ao veganismo na pandemia, quando eram escassas as plataformas de delivery deste tipo de alimentação.
O impacto socioambiental positivo pode ser medido pela redução do consumo de alimentos de origem animal. A Veggi já contribuiu para a economia de 85 milhões de litros de água, 617 km² de terras, 360 toneladas de CO₂ e 180 toneladas de grãos. Também incentiva o uso de embalagens sustentáveis, reduzindo o lixo na cadeia de delivery.
Outras soluções
No balanço da SuperOpa, que tem como objetivo “colaborar para o zero desperdício”, deixaram de perecer mais de 120.000 quilos de alimentos. O cálculo leva em conta o raio de atuação junto a 500 cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Para a B4Waste, também criada para encurtar a distância entre o consumidor e os fornecedores de alimentos, a missão de “reduzir desperdício de alimentos é menos complexa e custosa que reduzir a circulação de carros e aviões”, sabidamente poluentes.
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