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Guerra manteve trajetória de alta dos preços dos alimentos

Combine harvester working in the wheat field.

Um país produtor mundial de alimentos não teria problemas de abastecimento diante de conflitos entre países de outro continente. Em tese. Na prática, entretanto, considerando a globalização, quanto maior a interdependência econômica, maiores serão os impactos. É o que o Brasil vivencia com o risco da escassez de produtos e do real aumento de preços desde as commodities até o consumo final, fazendo valer a antiga e sempre válida lei da oferta e da procura que já marcou presença na pandemia, antes mesmo da guerra. Em todos os cenários, entretanto, o Brasil aparece como protagonista no papel de fornecedor mundial de alimentos e terá que enfrentar a elevação de preços puxados pela valorização do petróleo que impacta toda cadeia.

Perfeitamente integrado ao agronegócio internacional ocupando as primeiras posições das exportações nas principais culturas, é natural que o Brasil sinta os reflexos de quaisquer episódios no mundo. A síntese é de Sílvio Farnese,diretor do Departamento de Comercialização e Abastecimento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que não trabalha com a hipótese de falta de produto para os brasileiros.


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A mesma garantia, entretanto, não se estende ao preço, fruto da pressão da falta de alguns insumos, notadamente os que integram os fertilizantes – Nitrogênio, Fósforo e Potássio – que formam o NPK. A dependência só foi agravada pela guerra por questões logísticas, atrasando a movimentação de navios que não querem navegar em áreas de conflito.

Atualmente, o Brasil importa 85% do fertilizante que consome. Deste total, 43% é fornecido pela Rússia e sua aliada Bielorrúsia. “Com o Plano Nacional de Fertilizantes, recentemente anunciado, podemos reduzir esta dependência em, pelo menos, 50%, mas isto requer um prazo de 28 meses”, observa Farnese.

Com pressão de demanda para atender os contratos de exportação e abastecer o mercado interno, a resposta se traduz em preços mais altos em razão de maiores custos. “Este é um fenômeno mundial”, esclarece ele, lembrando que desde 2021 as elevações de preço ficaram todas acima de 50%: o café (60%) e a soja (80%) são apenas dois exemplos.

A seu ver, além das variáveis externas que fogem ao controle, uma das alternativas para reduzir a pressão é acelerar os projetos nacionais de plantas industriais de fertilizantes e implementar políticas de incentivo ao aumento da produção de alimentos a partir de financiamentos para o custeio. “Já vivenciamos algo parecido em 2009 com a crise do Subprime e as coisas se acomodaram, como também vai acontecer agora”, acredita o diretor.

Uma sinalização disto vem das estatísticas do Governo Federal. Em março, desembarcaram no País 685,7 mil toneladas de adubo russo, 13% acima de março de 2021 e o maior volume mensal desde o início da série histórica que começou em 1997, entretanto, a preços triplicados.

Impedimentos ambientais

As duas alternativas de soluções apontadas pelo MAPA – acelerar os projetos internos de produção de fertilizantes e aumentar a produção de alimentos – esbarram no mesmo obstáculo, na visão de Luiz Eugênio Lopes Pontes, diretor comercial da Fertsan Soluções Inovadoras para o Agro S.A: os impedimentos legais ambientais, onde entra a ideologia e não o bom senso.

Para Pontes, mesmo que a guerra entre Rússia e Ucrânia acabe, o mundo vai continuar enfrentando problemas de abastecimento e preços altos a partir do segundo semestre, quando os estoques estarão baixos em todas as cadeias. Isto porque as sanções econômicas permanecerão até se acomodarem.

A pressão do dólar, por outro lado, leva os investidores a olharem para o Brasil, notadamente para o potencial do agronegócio e do hidrogênio verde, onde o Ceará é protagonista. “O Brasil está em todas as perspectivas de solução e, no médio e longo prazos, é o candidato potencial a substituir os grandes fornecedores de alimentos”, afirma. Sabe-se que a China não pode desempenhar este papel dada a sua numerosa população; os EUA são grandes exportadores, mas também grandes consumidores e o Canadá tem metade de seu território comprometido no círculo ártico.

Luiz Eugênio Pontes acredita que uma das saídas é a da tecnologia. A própria Fertsan é prova disto ao oferecer produtos que atuam no DNA da planta capturando nutrientes que aumentam a produtividade e a imunidade a pragas. O outro caminho é o político, que impede o País de caminhar em direção à autossustentabilidade. “Podemos plantar e colher mais e melhor, desde que saia de cena o viés ideológico que foge da racionalidade”, diz ele, ao propor a criação de um colegiado de crise para a área alimentar que seja técnico, científico e empresarial, capaz de destravar os tantos projetos engavetados.

Fazenda do mundo

Pensamento semelhante vem de Isaac Bley, sócio diretor da Alimempro e recentemente eleito presidente do Sindialimentos, que processa alho roxo nobre há quase 20 anos, contando com uma gama de produtores e uma carteira de mais de 700 clientes ativos.Embora o cenário geral ainda seja de preocupação, ele acredita que há garantia de abastecimento, inclusive de fertilizantes porque os grandes produtores anteciparam as compras. “Aprendemos com a pandemia e com a guerra”, acredita e atesta que há sinais mais sólidos de retomada das atividades.

As lições a que se refere o diretor da Alimempro incluem iniciativas que independem das variáveis incontroláveis do mercado internacional. “Se temos no agronegócio o motor de nossa economia, vamos cuidar dele com rigorosa gestão de custos, investindo em automação, em painéis solares e na tecnologia como aliada, sempre de maneira sustentável”, analisa. Ele lembra que a receita foi aplicada com sucesso no setor do alho. O consumo nacional dependia em 85% do mercado externo, há pouco tempo, foi reduzido agora a 40% e caminha para a autossuficiência.

A alternativa de substituição de fornecimento é defendida também pelo Sindicato das Indústrias de Alimentos do Ceará. O ex-presidente André Siqueira entende como louvável o programa do governo de incentivo à produção local de fertilizantes como forma de reduzir o impacto sobre os preços de alimentos para evitar a repercussão experimentada pela guerra sobre o preço dos grãos e alimentos, notadamente do trigo – onde o País é potencial importador – impactando a farinha, o pão e toda a cadeia. Soma-se a isto o agravante inflacionário e de taxas de juros.

Siqueira não vê alternativas de soluções a curto prazo especialmente considerando a questão dos fertilizantes e a repercussão da alta dos combustíveis sobre o frete.

Polo de fertilizantes

A boa notícia é que de Norte a Sul do Brasil tem algum projeto de fábrica de fertilizante à espera de licenciamento ou de outras restrições legais. Também há planos em gestação, como é o caso do Ceará, onde o governo e iniciativa privada se dispuseram a enfrentar juntos as conseqüências da dependência externa.

Com este propósito é que governo e iniciativa privada, através da Federação das Indústrias do Ceará, se uniram para acrescentar alternativa em adubos à incipiente produção nacional que mostrou sua fragilidade. E, ainda, com a vantagem logística que ampliará o alcance do mercado consumidor a partir da conclusão da Ferrovia Transnordestina, encurtando a distância com as lavouras de soja, milho, algodão e proteína animal em direção ao Sul. O Ceará tem amônia, a ser produzida pelo Hub do H2V no Pecém e tem o fosfato na mina de Itataia, básicos na formulação de fertilizantes. E conta, ainda, com o consumidor ao seu redor. A nova fronteira agrícola nacional, o Matopiba integrado por Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia, dá ao Ceará a condição de transformar-se em um polo produtor.

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