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Saneamento básico e o papel da educação ambiental

Apesar de ser um serviço essencial para a sociedade, a universalização do saneamento básico ainda é uma realidade distante no Brasil. Segundo dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), mais de 16% da população, ou 35 milhões de pessoas, não possui acesso à água tratada, enquanto 46% não tem acesso à rede de esgoto.


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“O saneamento é chamado de ‘básico’ porque ele é a infraestrutura mais importante e próxima da vida das pessoas. Acesso à água tratada é essencial e junto com o tratamento do esgoto pode-se evitar uma série de doenças e reduzir a mortalidade, especialmente a infantil e de idosos”

Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil

Junto à prevenção de doenças, que reduz o afastamento de crianças das escolas e de adultos dos seus trabalhos, o saneamento gera uma redução de gastos do governo com tratamentos e um aumento do número de leitos hospitalares, que seriam ocupados pelos doentes. 

“Economicamente, você tem a perda de produtividade da empresa pela ausência dos empregados; de renda pessoal dos funcionários pelos dias não trabalhados; um impacto imobiliário, já que imóveis em zonas sem saneamento valem menos; e no turismo, que depende muito das condições ambientais, principalmente em locais de praia como o Ceará”, explica Carlos.  

Apesar de lento, ocorreram avanços ao longo dos anos nas coberturas de água e de esgoto do país com diferentes graus de evolução de acordo com cada área. Em 2010, 81,1% da população possuía acesso à água tratada. Em 2019, esse índice passou para 83,7%

O avanço foi um pouco maior nos indicadores de população com acesso à rede de coleta de esgoto, embora ainda exista muito a avançar: 46,2% dos brasileiros eram atendidos em 2010; 54,1%, em 2019. Em relação à proporção de esgoto tratado, também ocorreu um aumento de 37,8% para 49,1%

As regiões Norte e Nordeste, entretanto, são as que mais sofrem pela falta desses serviços. Atualmente, a população com acesso à água tratada no Nordeste (73,9%) é menor que a média nacional. No Ceará, esse número é ainda menor (58,6%). Em relação ao acesso a esgoto e ao seu tratamento, no Nordeste os índices atuais são de 28,2% e 33,7%, respectivamente, enquanto no Ceará são de 25,6% e 35,9%. 

Segundo Francisco José Freire de Araújo, mestre e doutor em Engenharia Civil na área de Saneamento Ambiental e professor da Unifor, esses números podem ser explicados por uma falta de investimentos e de priorização de determinados problemas.

“O saneamento básico possui quatro eixos, que são o abastecimento de água; esgotamento sanitário; manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais. Infelizmente, os números não são animadores quando se compara os índices de abastecimento de água com os de cobertura de esgoto e tratamento. O acesso à água é muito melhor do que o ao tratamento dos esgotos e isso ainda piora no ambiente rural. Essa diferença ocorre porque o investimento prioritário é feito no abastecimento de água em detrimento do tratamento de esgotos”. 

Francisco José Freire de Araújo, mestre e doutor em Engenharia Civil na área de Saneamento Ambiental e professor da Unifor

“O primeiro obstáculo para a universalização do saneamento no Brasil é a falta de recursos financeiros do governo. Saneamento é algo que requer dinheiro, seja para construir novas estações de tratamento de água e esgoto (ou reformar antigas), seja para ampliar a rede de distribuição de água e coleta de efluentes”, afirma Paula Fernanda Morais Andrade Rodrigues, coordenadora da Divisão Técnica de Engenharia Sanitária, Recursos Hídricos e Biotecnologia do Instituto de Engenharia de São Paulo. 

Outro problema está relacionado à cultura política brasileira. “Há que se planejar saneamento em períodos maiores que quatro anos, uma vez que universalizar não é tão simples por envolver planejamento, projeto, executar o plano e fiscalizar. Isso transpassa mandatos e não pode ser deixado de lado por questões partidárias”, defende ela.

Novo Marco Legal

O novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado pelo Presidente da República em julho de 2020, trouxe mudanças ao antigo sistema, permitindo uma maior abertura do setor à iniciativa privada e estabelecendo metas para a universalização do serviço. Até então, os serviços de saneamento eram prestados majoritariamente por empresas públicas estaduais. 

“O novo marco legal tentou fechar o cerco ao sistema antigo de concessões de 30, 35 anos, em que nada acontecia caso a companhia não cumprisse suas obrigações, apoiadas em contratos sem cláusula de obrigatoriedade e de rescisão. Agora elas terão mais espaço para crescer e o setor privado poderá entrar e fazer parcerias com o poder público para levar recursos e complementar os já existentes”, diz o presidente executivo do Trata Brasil.

“O marco legal prevê a criação de contratos com critérios de eficiência, metas e prazos para atingir a universalização. Desta maneira, as concessionárias terão que se comprometer com a redução de perdas de água durante o processo, a melhoria das instalações, além de necessitarem comprovar capacidade técnica e econômica para poderem assumir a prestação dos serviços”, ressalta a especialista do Instituto de Engenharia.

A legislação tem como meta alcançar a universalização do saneamento até 2033, garantindo que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto. Para Araújo, no entanto, esse não é um objetivo factível. 

“Pelos investimentos que estão sendo feitos na área de saneamento, não conseguiremos alcançar a universalização até 2033. Pela projeção de investimentos, só alcançaríamos isso em 2050. Teríamos que investir o triplo do valor atual para alcançarmos a meta”, justifica o professor da Unifor 

A importância da educação ambiental 

A educação ambiental possui papel fundamental na promoção do saneamento básico, já que é por meio dela que a população pode adquirir conhecimentos sobre a importância do saneamento para a saúde e qualidade de vida. 

“Se fala de educação ambiental como sinônimo de separar o lixo reciclável do não reciclável, mas ela é muito mais do que isso. É preciso ensinar que o esgoto tem que ser tratado, ir para um local correto, porque essa água precisa voltar em boas condições para o uso pelo próprio município ou para outras municipalidades que terão que lidar com o esgoto produzido por uma cidade. A natureza não respeita fronteiras”, explica Carlos. 

De acordo com o especialista, a sociedade brasileira vive de “picos” de problemas. “Começa uma crise hídrica, todo mundo fala disso; depois chove e ninguém mais fala no assunto. Porém, a educação é um processo que se prolonga no tempo”. 

Para Rodrigues, uma população consciente é capaz de cobrar seus dirigentes, exigindo que o saneamento faça parte dos programas de governo e fiscalizando a sua implementação. “A população, quando educada para as questões ambientais, serve de fiscal dos espaços públicos e ajuda a manter áreas livres de lixo e de outros resíduos contaminantes, além de preservar matas ciliares que são importantes para a drenagem e prevenção de enchentes”.

No entanto, apenas o acesso ao conhecimento não é o suficiente. “A população às vezes até tem conhecimento, mas não colabora, entregando a responsabilidade para os governos. Se sempre atribuirmos isso aos governos, a máquina pública sempre estará em déficit em relação ao atendimento da demanda”, justifica Araújo. 

Questionada sobre o seu papel na promoção da educação ambiental, a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará) afirma que promove ações constantes junto à população.  

“Além de atuar na execução das obras dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário e entendendo que a mudança de hábitos é facilitada pelo processo educativo, a Cagece permanece com ações continuadas de educação ambiental programadas através do Programa Socioambiental de Educação em Saúde (PSAES)”

Robervania Barbosa, gerente de Responsabilidade e Interação Social da Cagece.

Segundo ela, são realizadas diversas atividades educativas de acordo com a área a ser trabalhada, como palestras; semana de saneamento nas escolas; reuniões comunitárias; teatro de fantoches; visitas domiciliares, entre outras ações, “todas buscando atingir os diferentes públicos e dar maior capilaridade a sensibilização em educação ambiental com foco no saneamento básico”. 

Por fim, é papel da educação ambiental atuar na diminuição do consumo pelas pessoas. “O nosso sistema econômico impulsiona o desperdício devido ao estímulo ao consumo. A importância da educação está nessa necessidade de repensarmos o consumo e os resíduos que geramos, porque sem isso, e mesmo com o empenho das autoridades públicas, o sistema não terá condições de atender toda a demanda de coleta e tratamento dos resíduos, já que a população e o consumo tendem a crescer cada vez mais”, conclui Araújo. 

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