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Saneamento e resíduos sólidos: parcerias com setor privado atraem investimentos para o Ceará

A PPP de esgotamento sanitário deverá atrair R$ 6 bilhões em investimento para o Estado. A proposta é universalizar o esgotamento sanitário em Fortaleza e no Cariri. FOTO: Freepik

Uma nova frente para captação de investimentos se abre para o Ceará. No médio prazo, a prestação de serviços de saneamento, seja na distribuição e tratamento de água e esgoto, dessalinização de água do mar e ainda na gestão de resíduos sólidos, deve receber quase R$ 7 bilhões em capital privado. No formato de parcerias público-privadas (PPPs), inicialmente as regiões metropolitanas de Fortaleza e do Cariri serão as principais beneficiárias com os empreendimentos. No entanto, a Secretaria Estadual de Cidades (SCidades) já sinaliza para novos projetos, o que deve atrair mais investidores, viabilizando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento regional.

Segundo o secretário executivo de Saneamento da Secretaria de Cidades do Ceará, Paulo Henrique Lustosa, só a PPP de esgotamento sanitário deverá atrair R$ 6 bilhões em investimento para o Estado. A proposta é universalizar o esgotamento sanitário em Fortaleza e no Cariri. “Desse valor, serão destinados aproximadamente 90% para a Região Metropolitana de Fortaleza e 10% para a do Cariri”, detalha.


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A razão para a Capital e entorno receberem a maior fatia dos recursos, explica Lustosa, deve-se ao fato da necessidade de mais intervenções urbanas na comparação com o Cariri, além do tamanho da população. “Os estudos estão bem avançados. Acredito que no fim do primeiro trimestre de 2021 submeteremos o projeto para os trâmites administrativos e legais a fim de que já no segundo semestre do ano possamos lançar o edital de licitação”, informa.

Já o projeto de PPP que visa produzir água dessalinizada tem capacidade para abastecer em torno de 12% do consumo de Fortaleza, devendo injetar cerca de R$ 500 milhões na economia estadual. “O processo de licitação desse projeto já foi iniciado e estamos agora na fase de documentação. Trata-se de um projeto que visa dar mais segurança hídrica para o Ceará a partir dessa planta de dessalinização da água do mar. Por se tratar de uma água mais cara, o seu abastecimento só entrará em ação em momentos de necessidade, nos moldes do que acontece no setor de energia com as térmicas, que só são acionadas em emergência”, explica.

Um terceiro projeto na mira da Secretaria Estadual de Cidades é para a gestão de resíduos sólidos. Conforme Lustosa, o empreendimento, também em formato de PPP, deverá atender a Região Metropolitana do Cariri. A sua estruturação está sendo desenvolvida pelo Governo do Ceará em conjunto com a Caixa e o Governo Federal.

“Assim como os demais projetos citados, este projeto para uma PPP na gestão de resíduos sólidos na Região Metropolitana do Cariri está bem avançado. Ele será discutido com o consórcio de prefeitos da região. Como estamos em um período em que novos prefeitos acabaram de tomar posse, assim como outros foram reconduzidos ao cargo, breve, vamos retomar as reuniões”

Paulo Henrique Lustosa, secretário executivo de Saneamento da SCidades

Conforme disse, a meta da Caixa é que o edital para licitação esteja pronto em setembro próximo. “É um projeto da ordem de R$ 50 a R$ 60 milhões e envolve a implantação de uma central de tratamento de resíduos sólidos, em todas as suas etapas”, adianta.

Na mira de novos projetos

No entanto, a captação de mais investimentos para o Estado não deve parar por aí, projeta Paulo Henrique Lustosa. Na sua avaliação o estabelecimento dessas PPPs na área de saneamento e gestão de resíduos sólidos abre espaço para outras parcerias correlatas. “Estamos falando da discussão com a Companhia de Gás do Ceará (Cegás) e outros parceiros de uma PPP para aproveitamento desses resíduos sólidos no Cariri para a geração de energia alternativa”, conta.

Também está nos planos o projeto de uma PPP para reuso da água do esgotamento sanitário em uma estação a ser implantada na região Oeste de Fortaleza. “Esta água seria devidamente tratada para uso industrial. Ou seja, ela seria vendida, reciclada pela PPP, para a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) para ser fornecida, por exemplo, ao Complexo do Pecém. Além do que esse projeto ajudaria a reduzir o impacto ambiental com o reuso dessa água”, explica.

Nesse contexto, assim como já acontece no Ceará, o BNDES e o Fundo de Apoio à Estruturação e ao Desenvolvimento de Projetos (FEP) da Caixa são as principais parceiros dos estados para a área de saneamento. Eles servem para apoiar tecnicamente estados e municípios brasileiros interessados em conceder serviços à iniciativa privada, além de financiar os custos dessas estruturações.

Novo marco regulatório

O interesse crescente dos estados em parcerias com investimentos privados, ocorre no embalo do novo marco legal do setor de saneamento, em vigor desde julho de 2020, que estipula a universalização do serviço no país até 2033. No Ceará, segundo a Secretaria de Cidades, em média, menos da metade da população ainda vive sem acesso à rede de esgoto, com esse índice ficando na casa de 45% na Região Metropolitana de Fortaleza. “No Cariri, essa parcela é um pouco inferior, estando em torno de 40%”, expõe Paulo Henrique Lustosa.

Até então, a prestação dos serviços de saneamento era dominada pelas empresas públicas estaduais. Apesar de os municípios serem os responsáveis pelo saneamento, as estatais se consolidaram impulsionadas pela possibilidade de fechar contratos sem licitação diretamente com as prefeituras. “Porém, essa modalidade, foi proibida pelo novo marco legal, que obriga as gestões municipais a realizarem processos concorrenciais ao delegar os serviços”, acrescenta o secretário executivo de Saneamento do Ceará.

Estado é atrativo para os investidores

De acordo com Lustosa, a nova legislação para o setor de saneamento no Brasil chega com um instrumento importante para dar mais segurança e atrair as empresas privadas quando as propostas forem ao mercado. “Certamente, o Ceará é, hoje, um dos estados do Nordeste mais bem preparados e atrativos para receber esses investimentos privados. O governo estadual já vinha se organizando, investindo na Cagece, a nossa companhia de água e esgoto, na melhoria da sua governança, na infraestrutura capaz de receber o investimento privado por meio dessas parcerias. Além do que, diferentemente de outros estados, contamos com um agência reguladora, a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), o que aumenta ainda mais a segurança institucional e jurídica para os interessados em investir nesse setor no Ceará”, justifica Lustosa.

De acordo com o doutor em economia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gildemir Silva, estudioso em indústrias de rede com foco em infraestruturas a exemplo de saneamento, o Ceará é um estado bastante atrativo para os investidores nessa área. “Se olharmos o contexto do Nordeste, talvez o Ceará seja um dos estados mais bem posicionados e preparados da região para receber investimentos privados em água e saneamento. Isto porque, nos últimos anos, o governo estadual investiu bastante no setor. Na verdade, o Estado se antecipou a essas possíveis parcerias, fazendo investimentos que diminuiriam os custos de implantação e ainda os riscos para qualquer investidor. O que o Governo do Estado poderia fazer a fim de garantir a entrada desse capital foi feito”, afirma.

Em outras palavras, explica Silva, boa parte dos custos afundados, ou seja, aqueles que não são recuperáveis, já foram efetivamente assumidos pelo governo estadual. “No caso de Fortaleza, por exemplo, o Governo do Ceará veio ao longo de dez anos, investindo na rede de saneamento, o Sanear. Portanto, nós temos um potencial enorme com redução de custo para qualquer investidor”, avalia.

Ainda segundo ele, a rede de consumo da capital é alta, “porque temos uma população de mais de três milhões de pessoas”. “Já no caso do Cariri, que é outro grande centro do Estado, a região também já conta com os investimentos iniciais realizados no que diz respeito a água e saneamento. Então tudo isso contribui para a atratividade do Estado para esses investimentos”, fala. Nesse contexto, Silva lembra ainda do Cinturão de Águas. “Mais um grande empreendimento tocado pelo Estado e que também reduz custos para os investidores”, acrescenta.

“O que acontece com uma PPP é que ela é uma parceria, não é uma concessão no sentido estrito, e uma parceria divide riscos entre as partes. Então, como o Governo do Ceará já se antecipou e dividiu alguns desses riscos, que foram a construção e a implantação de redes de abastecimento e saneamento, provavelmente, o investidor privado deverá entrar apenas com o risco de administrar esses ativos. Dessa forma, o risco da parceria é reduzido para qualquer investidor. Ele não vai assumir mais os custos de desapropriações e construção”

Gildemir Silva, doutor em economia e professor da UFC

Razão pela qual, reforça o economista, a modalidade de PPP se torna adequada para a captação de projetos dessa natureza no Estado, “porque é possível monitorar a qualidade do serviço prestado”. “Para isso, o Ceará tem bom conhecimento do setor e uma agência reguladora consistente e que já atua no longo prazo, que é a Arce. Então, o Estado possui as condições estruturais, de infraestrutura e ainda de governança. De fato, o Ceará está preparado e tem um potencial enorme para parcerias em projetos de água e saneamento”, conclui.

Desenvolvimento regional em pauta

Para Silva, os efeitos das PPPs em água, saneamento e ainda na gestão de resíduos sólidos serão bem positivos para a economia do Ceará, principalmente tendo em vista a questão do desenvolvimento econômico regional. Ele avalia que uma PPP precisa de mão de obra especializada, então isso aumenta o valor de remuneração dos nossos profissionais, como também pode melhorar a qualidade de vários serviços prestados o que reduz custos de oportunidade. Cenário este que poderá resultar em bons frutos para o desenvolvimento econômico regional. Ao mesmo tempo, o economista ressalta que, somando esses investimentos com a chegada da água da transposição do Rio São Francisco, em termos de recursos hídricos e saneamento, as deficiências que o Ceará tem ficariam sanadas até determinado ponto.

“Isso só corrobora que a necessidade do Estado é a gestão eficiente dos seus recursos hídricos. Se o Ceará gerir isso eficientemente, existe a perspectiva de crescimento muito grande da sua economia, porque teremos água em certo nível e com infraestruturas bem administradas, assim como a prestação de serviços adequada tanto para a atividade industrial quanto para consumo residencial”

Gildemir Silva, doutor em economia e professor da UFC

Esse cenário seria potencializado com o projeto de uma PPP para dessalinização da água do mar. “O maior benefício será fornecer água para o estabelecimento de indústrias. O estado conseguirá prover recursos hídricos para o setor industrial sem exaurir as reservas oriundas da transposição do rio São Francisco. Será um aumento hídrico significativo para o Estado”, afirma Gildemir.

Ao mesmo tempo, o parceiro privado na PPP se beneficiaria de uma demanda muito grande de consumo com uma tarifa razoável. “Principalmente se novas indústrias vierem para o Complexo do Pecém ou as plantas que estiverem no local ampliarem as suas instalações. Na verdade, já existe a perspectiva de uma refinaria, entre outros conjuntos de empreendimentos e que demandarão mais água. Dessa forma, os investidores terão as melhores perspectivas de retorno com essa unidade de dessalinização”, observa.

“São projetos de infraestrutura e de gestão que trazem amplos benefícios, pois a partir deles outros investimentos podem ser captados, gerando novos negócios a partir da rede de saneamento. O turismo, por exemplo, é um setor que será beneficiado em várias regiões do Ceará. A gente sempre trabalha com essa perspectiva”

Paulo Henrique Lustosa, secretário executivo de Saneamento da SCidades
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